domingo, 21 de fevereiro de 2010

02- Entrevista com Hiram da Costa Araújo




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Entrevista com Hiram da Costa Araújo

Hiram da Costa Araújo é médico, pesquisador de carnaval e autor do livro “Carnaval: seis milênios de história”. Atualmente, Hiram é Diretor Cultural da Liesa (Liga Independente das escolas de Samba do Rio de Janeiro) e coordenador do curso de graduação em Gestão do Carnaval, oferecido pela Universidade Estácio de Sá. Nessa entrevista, o pesquisador fala sobre as origens do carnaval, como a festa chegou ao Rio de Janeiro e como se tornou um dos maiores espetáculos da Terra.
As origens do carnavalAs origens do carnaval, essa festa grandiosa que nós conhecemos hoje, são bastante remotas. Segundo o médico e pesquisador de carnaval Hiram da Costa Araújo, essa comemoração já existia milhares de anos antes de Cristo. No início o carnaval simbolizava o período em que os homens comemoravam a boa colheita. Nesse período as manifestações eram muito simples. O Egito foi o primeiro centro de excelência do carnaval.
À medida que as civilizações foram se desenvolvendo, também foram aparecendo as classes sociais. Na Grécia antiga e em Roma as Saturnálias e as Bacanáis, festas ligadas aos deuses gregos e romanos, também eram tidas como festejos carnavalescos. Segundo Hiram, com o surgimento das classes sociais, o homem viu que precisava haver uma distensão para evitar uma ação mais drástica das classes menos favorecidas, uma revolução. “Você precisava de uma espécie de válvula para que o povo pudesse extravasar toda aquela opressão”, destaca o pesquisador.
Na Grécia as festas eram realizadas em homenagem ao Deus Dionísio. Eram os bacanáis, onde você tinha a liberdade para fazer o que quisesse. Em Roma, eram as Saturnálias, em homenagem a Saturno, deus da Agricultura. Nessas festas o povo, momentaneamente, tomava o lugar da aristocracia, das classes dominantes. Esse era o carnaval primitivo.
Com o cristianismo, a Igreja Católica começou a reprimir esse tipo de manifestação, alegando que essas festas eram, na verdade, grandes orgias. Mas não conseguiu acabar com o carnaval. O reconhecimento oficial do carnaval pela Igreja Católica foi feito no ano 590 d.C. pelo Papa Gregório I, que atrelou o evento ao calendário cristão. Era o momento do ano em que a pessoa teria mais liberdade para fazer coisas que normalmente são proibidas. A Igreja estava preocupada que o carnaval pudesse atrapalhar tradições católicas como a Quaresma, período de 40 dias em que os cristãos fazem orações, penitências e caridade para se prepararem para a Páscoa.
O carnaval de outrora era, então, de acordo com etimologia da palavra latina carne vale, o "adeus à carne", “adeus aos prazeres da carne”. A partir da Quarta-feira de Cinzas, durante toda a Quaresma e até o Domingo de Páscoa, a Igreja impunha aos cristãos o jejum e a abstinência.
Em geral, o Carnaval tem a duração de três dias, exatamente os dias que antecedem a Quarta-feira de Cinzas. Em contraste com a rigidez da Quaresma, esses três dias são chamados de dias "gordos", em especial a terça-feira (Terça-feira gorda, também conhecida pelo nome francês Mardi Gras), último dia antes da Quaresma.
À medida que o tempo foi passando, o carnaval foi tomando maior vulto, sobretudo, na área mediterrânea da Europa: na Itália (Roma e Veneza), França (Paris e Nice) e Alemanha (Nuremberg e Colônia).
A Europa se tornou então o terceiro centro de excelência do carnaval fixou-se e cidades como Nice, Roma e Veneza passaram a irradiar para o mundo inteiro o modelo de carnaval que ainda hoje identifica a festa, com mascarados, fantasiados e desfiles de carros alegóricos.


Fonte:
http://www.conexaoprofessor.rj.gov.br/educacao-entrevista-12.asp
Acesso em 21/02/10

01- Saudável Loucura


Todo ano é a mesma coisa: o carnaval se aproxima e muitas pessoas começam a reclamar sem parar. Com impulsos rabugentos e veleidades moralistas, murmuram pelos cantos ou em voz alta contra a alegre ociosidade que, neste período e por estas plagas, seduz a maioria dos humanamente mortais.
Aproveitemos a inspiração dos ambientes das passarelas momescas, quando se reinstala um simulacro da nobreza monárquica, e vamos dar passagem à advertência do jovem ensaísta francês do século 18, Marquês Luc de Clapiers Vauvenargues: “Os preguiçosos têm sempre vontade de fazer alguma coisa”.
Os que, como feitores renascidos, se outorgam a tarefa de colocar a todos nos eixos, gritam e alardeiam, com ares doutorais, que o Brasil não tem jeito mesmo! Onde já se viu um país pobre dar-se ao luxo de parar de trabalhar? Já tem muito feriado por aqui e agora continuam suspendendo tudo de útil por cinco dias apenas para ficar dançando e pulando pelas ruas. O que os estrangeiros, gente séria, vão pensar do nosso povo? Carnaval é perda de tempo! É por isso que uma nação assim não vai para frente...
Ora, já somos uma das poderosas economias capitalistas do planeta, sem que a riqueza coletivamente gerada seja adequadamente repartida! Uma nação vai para a frente quando prevalece a justiça cidadã e a paz social, quando há garantia do direito ao trabalho (e, portanto, ao descanso), quando os privilégios exclusivos não são apresentados como conquistas inevitáveis de alguns apaniguados. Uma nação perde tempo quando valoriza o cinismo que acomete fartamente alguns que se preocupam com quantos dias de folga tiram aqueles milhões para os quais sobra muito pouco de vida sã fora do horário de trabalho.
É necessário interromper a lógica que entende o trabalho contínuo e incansável como sendo a única fonte de saudabilidade moral e cívica; é preciso enterrar a estranha racionalidade que entende a capacidade de voltar a trabalhar como sendo o melhor critério de saúde. É comum um adulto internado em um hospital ou adoentado em casa considerar-se sarado apenas quando, após perguntar ao médico se pode voltar ao trabalho, fica por ele “liberado”; por que não perguntar: “Doutor, já estou bom? Já posso voltar a namorar, bailar, transar, jogar?”
Por isso, é claro que não deve ser obrigatório “brincar” ou “pular” o carnaval; o que pode ser feito por todos e todas é, isso sim, dar-se o direito de suspender um pouco o pragmatismo laboral do dia-a-dia e ganhar tempo, em vez de perdê-lo. Tempo de parar para dançar, orar, descansar, divertir, meditar, estudar; seja qual for a escolha, um tempo para si mesmo ou para si mesma. Ócio não é falta do que fazer, mas possibilidade de, nas condições apresentadas, fazer a escolha lúdica do que se deseja, sem constrangimento ou compulsoriedade.
Melhor, nesse caso, respeitar os insanamente saudáveis e cotidianamente produtivos, inscrevendo no pavilhão de algum estandarte precursor a assertiva de Mihai Eminescu (patriótico poeta romeno do século 19, mas nem por isso menos futurista): “As pessoas alegres fazem mais loucuras do que as pessoas tristes, porém, as loucuras das pessoas tristes são mais graves
Afinal, louco não é o povo que pára por quase uma semana para brincar; louco, provavelmente, é o povo que nem pensa em parar...

CORTELLA, Mário Sérgio. Saudável loucura. In: Não nascemos prontos – provocações filosóficas. 5ª edição. Petrópolis: Vozes, 2007, pp 51-53.